quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Deus é Missionário


“O Espírito de Cristo é o espírito de missões, e quanto mais nos aproximarmos de Cristo, mais intensamente missionários devemos nos tornar.” Henry Martin

O Antigo e o Novo Testamento mostram que Deus é um Deus que envia. Ele enviou profetas, apóstolos e anjos, e finalmente Ele enviou seu Filho unigênito (Hb 1.1-4). A própria existência das Escrituras dá testemunho do fato que Deus estende a mão em amor a seu mundo caído. Sendo assim, a obra missionária é, inicialmente, um trabalho do Deus Trino: “... batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19, grifo nosso). Deus é um Deus de coração missionário.
Com relação às obras da Trindade no plano da redenção, podemos dizer, nas palavras do teólogo reformado Charles Hodge, que

“o Pai envia o Filho, e o Pai e o Filho enviam o Espírito. O Pai opera através do Filho, e o Pai e o Filho operam através do Espírito”.

Ainda quanto à obra da redenção, ele continua:

“há algumas ações predominantemente atribuídas ao Pai, outras ao Filho, e outras ao Espírito. O Pai cria, elege e chama; o Filho redime; e o Espírito santifica”.

Sendo o Deus Trino o verdadeiro Autor da missão, houve um plano preparado na eternidade para ser conduzido historicamente e ser realizado em várias partes, reciprocamente distribuídas pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo. O Pai enviou o Filho. O Filho executou o plano. E o Espírito Santo aplica aos eleitos os benefícios da redenção conquistados por Jesus na cruz (Jo 6.44 e 14.6).
William J. Larkin Jr. nos lembra que:

“A narrativa de Lucas apresenta cada pessoa da Divindade como ‘enviador’, comissionando e promovendo a missão. Cada pessoa da Trindade é também um ‘enviado’, um agente missionário bem como um participante trabalhando por meio dos agentes humanos”.

Missio Dei – Missão de Deus

As Escrituras Sagradas são claras e objetivas quando mostram que Deus está interessado na humanidade caída e vai ao seu encontro. O ser humano pós-queda não deu um passo sequer em direção a Deus. Deus é quem vem ou providencia seus enviados como mediadores, procuradores. Deste modo, o conceito de Missio Dei deve ser entendido como a origem, a motivação e o modelo de missão que está centrado em Deus e em sua natureza.
George W. Peters cita Douglas Webster:

“Nós começamos, então, onde a missão começa: com Deus”.

Peters continua:

“Apenas tal declaração faz justiça à alegação bem sustentada de Georg F. Vicedom de que a missão é Missio Dei”.

Ou seja, a missão é um dos atributos pessoais de Deus. Isto significa que do início ao fim a missão cristã é a Missão de Deus, e não do homem. Assim, há a necessidade desesperada de que se busque uma teologia de missão que não seja antropocêntrica ou eclesiocêntrica (ou agenciocêntrica), mas teocêntrica. Missão é uma obra essencialmente de Deus.
A universalidade do plano e da mensagem de Deus começa a aparecer em Gn 1.26-30. Como disse Thomas Reginald Hoover:

“Há muitas referências ao plano universal de Deus no Antigo Testamento, mas as poucas que temos considerado demonstram além de qualquer dúvida que o Deus do Antigo Testamento é um Deus Missionário”.

Vemos em Gênesis, pela primeira vez, que Deus é um Deus Missionário: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.15). Deus foi o próprio Missionário ao se auto-enviar e anunciar a boa notícia no Éden. Depois o Deus Missionário enviou o seu único Filho para buscar e salvar o perdido: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). No texto bíblico citado diz que Deus deu Jesus ao mundo. O verbo “dar” neste sentido, não é meramente uma determinada pessoa abrir a mão e oferecer alguma coisa a outrem. Antes, é dar ou ofertar uma dádiva preciosa para alguém que não merece, sem impor o recebimento de alguma coisa em troca ou barganha. Foi exatamente o que Deus fez: ofereceu o seu Filho amado para resgatar o homem que se havia se afastado completamente dEle. Para entender sobre missão é preciso partir deste princípio: Deus deu o seu Filho e o próprio Filho se deu para salvação dos eleitos.
Estudando as Escrituras Sagradas, entendemos, portanto, que Deus é um Deus Missionário. Ele enviou muitos missionários com tarefas específicas:

1. Deus enviou José para salvar Israel da fome: “Diante deles enviou um homem, José...” (Sl 105.17);
2. Deus enviou Ananias a Saulo: “Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista, e fiques cheio do Espírito Santo” (At 9.17);
3. Deus é quem manda trabalhadores para a Sua seara (Lc 10.2; Mt 9.37,38);
4. Deus enviou o seu próprio Filho para resgatar os pecadores arrependidos (Jo 3.16).

Quando olhamos para o Deus Pai só podemos vê-Lo como a única fonte da missão. De Deus procede e resulta a missão. É Deus quem, de fato, envia.
Deus tem compaixão do pecador: “Em toda a angústia deles foi ele angustiado” (Is 63.9);
Deus deseja que todos sejam salvos. O amor de Deus não conhece limites: “o qual deseja que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade” (1Tm 2.4);

Timóteo Carriker expressa:

“Portanto, ‘missão’ é uma categoria que pertence a Deus. A missão, antes de ter uma conotação humana que fala da tarefa da igreja, antes de ser da igreja, é de Deus. Esta perspectiva nos guarda contra toda atitude de auto-suficiência e independência na tarefa missionária. Se a missão é de Deus, então é dEle que a igreja deve depender na sua participação na tarefa. Isto implica numa profunda atitude de humildade e de oração para a capacitação missionária, uma dependência confiante em Deus, em vez da independência característica da queda, do dilúvio, da torre de Babel e do próprio cativeiro. Por outro lado, se a missão é de Deus, temos a segurança de que é Deus quem está comandando a expansão do seu reino, nos seus termos, e isto nos dá plena convicção de que ele realizará os seus propósitos”.

Seguindo o esboço de Betty Bacon, o plano-mestre de Deus para a missão é:

1. Deus o elaborou “antes da fundação do mundo”: “... do cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8);
2. Deus o centralizou em Jesus Cristo: “isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens os seus pecados, e nos confiou a palavra da reconciliação” (2Co 5.19);
3. Deus leva ao máximo da história mundial: “será pregado este evangelho a todas as nações. Então virá o fim” (Mt 24.14);
4. Deus toma as iniciativas: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3.16,17);
5. Deus usa instrumentos para executar o Seu plano grandioso:
a) Todas as coisas (Sl 19.1-2);
b) A história e cultura de todos os povos (Am 9.7; At 17.26,27; Ap 21.24);
c) Seu Filho (Jo 3.16,17);
d) Seus servos (1Pe 1.21; Sl 68.11; Mt 21.15,16);
e) Sua Palavra (Jo 17.8; At 6.2; 2Tm 4.2).

Roger Greenway fazendo menção do missiólogo Francis M. Dubose, diz que o mesmo afirma que a figura bíblica do verdadeiro Deus é comparada à de um grande e contínuo “Enviador”. Assim, missão é a objetivação do propósito eterno e benevolente de Deus que se origina em seu ser e caráter.

Missio Christi – Missão de Cristo

Quando olhamos para o Deus Filho, encontramos a realização plena da Missio Dei. A missão de Jesus no mundo foi buscar e salvar o perdido (Lc 19.10). Jesus é o Missionário do Pai. Jesus veio ao mundo como resultado de um comissionamento divino. Assim, a missão de cada cristão na Terra é a de viver e pregar o Evangelho (Mc 16.15). E à semelhança do próprio Jesus, ninguém tem o direito nem de se auto-comissionar, tampouco, igrejas e organizações missionárias, podem se colocar como meras “recrutadoras”, sem que antes haja provas incontestáveis e exigentes da vocação divina. O chamado de Deus é irreversível e irresistível. É Deus quem seleciona, escolhe, chama, capacita, sustenta e exige. Na obra missionária não entramos sem ser chamados e dela não conseguimos sair quando somos chamados.
Deus deu o Filho e Jesus se deu a si mesmo para a salvação dos pecadores, então, podemos falar que a missão (mandato, incumbência, ministério) é a obra de Deus dada à Igreja que, seguindo o modelo de Cristo, proclama e anuncia por palavras e ações o Reino de Deus, avocando a todos ao arrependimento e conversão e a ter fé em Cristo, enviando-os a serem discípulos dEle.
O significado é este: Jesus harmonizou sua própria missão auferida do Pai com a missão que Ele deu aos seus discípulos, quando disse: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21).
É importante observarmos a ordem dos “envios” nesta passagem. Primeiro, o Filho de Deus foi enviado pelo Pai, o que torna Jesus o primeiro e Divino Missionário. Ele, por sua vez, enviou seus discípulos, tornando-os missionários do Evangelho.
As ações de Jesus, durante todo o seu ministério, tiveram um caráter missionário. Consequentemente, missão é a efetivação histórica em favor de toda a humanidade através da encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Como afirmou Greenway:

“Os Evangelhos retratam Jesus como o Messias Missionário”.

Missio Spiritu Sancti – Missão do Espírito Santo

Quando olhamos para o Espírito Santo vemo-Lo como a força motriz da Missio Dei.
Edison Queiroz assevera:

“Biblicamente, o Espírito Santo está intimamente ligado com a obra missionária”.

Continua:

“Infelizmente, hoje em dia há algumas igrejas que não entendem o propósito da vinda do Espírito Santo e desenvolveram uma teologia segundo a qual o Espírito Santo é dado simplesmente para nos ajudar a receber bênçãos – e não para servir a Deus, como é o propósito original. Não podemos aceitar essa dicotomia entre o Espírito Santo e a obra missionária. Se estudarmos a doutrina do Espírito Santo à luz dos propósitos de Deus, vamos descobrir que o Espírito Santo veio para ajudar o cristão a ter uma vida vitoriosa e assim ser instrumento de Deus para espalhar a glória divina através da salvação de outras vidas”.

Só existe missão de acordo com Deus e com a Bíblia, se o Espírito Santo estiver no comando. O Espírito é indispensável à obra missionária. Missão é a realização prática da obra do Espírito Santo neste mundo em nome do eterno propósito de Deus e da aplicação efetiva da salvação em Cristo Jesus a todo o indivíduo que crê. O Espírito Santo é o principal protagonista da missão da Igreja. Ele é o diretor de todo o empreendimento missionário. Ele é o verdadeiro Evangelista. Sem Ele a obra de missão é impossível. É Ele quem unge o mensageiro. Quem confirma a Palavra, prepara o ouvinte e convence o pecador. Em tudo isso a preocupação do Espírito Santo é glorificar Jesus Cristo.
Em Atos 1.8 tem-se o entendimento da Pessoa e o trabalho do Espírito Santo como sendo altamente missionário em caráter e propósito: “mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.8). Ele é um Espírito Missionário que deseja trazer de volta para casa os filhos perdidos de Deus. At 1.8 não é uma ordem e sim uma declaração indicativa, explicando que, após serem cheios do Espírito Santo, os discípulos iriam ser levados a testemunhar da sua fé em todos os lugares do mundo.

Missio Ecclesiae – Missão da Igreja

A Igreja, em Pentecostes, pronta e espontaneamente se torna “missionária em sua essência e coração” ao ser batizada pelo Espírito Santo. Por conseguinte, o Espírito e a missão não podem ser separados. O Espírito Santo preserva e cuida do fruto missionário. Portanto, o missionário precisa aprender a confiar no Espírito Santo, desde o princípio e ao longo de seu ministério. Isto significa dependência e suficiência total no Espírito.

Deste modo, esta é a missão do Deus-Trino. Deus Pai enviou o Deus Filho, o Deus Pai e o Deus Filho enviaram o Deus Espírito Santo, e as três Pessoas, como um só Deus, enviaram a Igreja ao mundo. Ou seja, Deus escolhe, capacita, envia e produz os resultados da missão. Logo, a missão da Igreja (missio ecclesiae) não tem vida própria, mas como enviada tem o privilégio de participar da Missão de Deus.
Robson Rosa Santana cita Vicedom:

“não cabe à Igreja decidir se ela quer fazer missão, mas ela só pode decidir se quer ser Igreja”.

A tarefa missionária da Igreja é parte do decreto de Deus, no qual é convocada a participar, se realmente quer ser Igreja. Isso não coloca os crentes ou a Igreja como centro da missão. Nem o homem, nem a Igreja, nem as agências missionárias são protagonistas na salvação. Toda a obra da redenção se inicia e se completa no Deus Trino. Logo, não o bem-estar ou glória humana, nem a expansão da Igreja é o principal objetivo da missão, mas a glória de Deus, porque o seu Ser e o seu Caráter são o fundamento da missão: “pois dele, e através dele, e para ele são todas as coisas, a ele pois a glória eternamente. Amém” (Rm 11.36). A missão da Igreja é a continuação da missão de Jesus. A missão do cristão é glorificar a Deus e proclamar o Evangelho, porque os frutos são acendidos pelo Senhor. Deus elege, o crente anuncia. A Igreja tem vocação missionária. Vocação que começa em Abraão. Não é a partir da Grande Comissão (Mt 28.18-20) que começa a responsabilidade da Igreja. É a partir da vocação de Abraão que, segundo a promessa de Deus, tanto seria abençoado como seria uma bênção para outras nações: “Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei... sê tu uma bênção... em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.1-3).
Doriana Maria de Carvalho refere-se a Gn 12.1-3, em paralelo com Mt 28.18-20 (a Grande Comissão no Novo Testamento), como a Grande Comissão no Antigo Testamento. Doriana esboça assim essa interpretação bíblica da missão:

1. Deus apresenta três promessas pessoais e específicas a Abraão:
a) “Sai... para a terra que te mostrarei.” (posse);
b) “de ti farei uma grande nação.” (promessa de uma posteridade);
c) “te abençoarei o nome, te engrandecerei.” (privilégios);
2. Deus exige responsabilidades: “Sê tu uma bênção.” (Gn 22.16-18): “e disse: Por mim mesmo jurei, diz o Senhor, porquanto fizeste isto, e não me negaste teu filho, o teu único filho, que deveras te abençoarei, e grandemente multiplicarei a tua descendência, como as estrelas do céu e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; e em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porquanto obedeceste à minha voz.”
a) Obediência;
b) Fé.
3. Deus faz duas promessas de poder a Abraão:
a) “Abençoarei os que te abençoarem” (os que colaborassem com Abraão estariam colaborando com Deus, portanto, seriam também abençoados);
b) “e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem” (o contrário);
4. “Em ti serão benditas todas as nações (famílias) da terra” (bênçãos espirituais a toda etnia da terra).

A missão deve ser vista como um atributo de Deus. É no próprio Ser e Caráter de Deus que a base mais profunda do esforço missionário é encontrada. Não conseguimos refletir sobre Deus exceto em termos que compelem à ideia missionária. Deus é um Deus de coração missionário. O propósito final da missão é glorificar a Deus, de tal modo que uma multidão de todas as nações, tribos, povos e línguas possam declarar o louvor e a honra, a glória e o poder de Deus por toda a eternidade. Portanto, Deus está no centro da missão. Ele é o alvo da missão. A missão existe para a glória de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.

Nos laços do Calvário que nos une,
Rev. Luciano Paes Landim.

Bibliografia:
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